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domingo, outubro 14, 2007

Ela

-para Lorena Vianna

Vestido branco, simples, liso, cru, ela estava linda naquela noite. Estava como quem caminha entre nós com o único objetivo de nos plantar um pouco de otimismo no coração. Um mais inocente a chamaria anjo; outro mais temeroso, demônio; e aquele cético, vadia. Aqui eu a chamo Vivianna, que se parece mais com um nome.

A cidade era pacata. Lar para o Padre Lino, Laura, Lúcia, Luiza, Lívia, Paula, Júlia, Matheus e todos os outros, inclusive os tão-bonitinhos Titico e Titica. E veio Vivianna. Quando pôs os pés na praça da Igreja, em torno da qual a cidade fora construída, silêncio - e mesmo o silêncio foi transformado em verso. Certo que se tinha, por ali, o hábito de pôr tudo em verso, tudo. Mas silêncio, não. Este era deixado para o verso em branco que separa uma estrofe da outra. E só. Vivianna também era branca. Seu vestido era branco, pelo menos. Não se tirava nada das outras feições: pele, olhos (nem mesmo os olhos!), rosto, lábios, nada. E então imaginaram-na como suspiro entrestrofes. O não-corpo tomava seus contornos e invadia aquele lugar, tão sólido, tão eterno - e tão frágil.

Matheus foi o primeiro a se aproximar. Antes que pudesse dizer alguma coisa, "Estou só de passagem", suspirou a moça com ar de enfado. Mas ele sabia que não. Vivianna - sim, era esse o nome, por mais que gago - tinha uma aura que a acusava, que afastava as pessoas e fazia as árvores se contorcerem. Vivianna era um objetivo. Qual, você me pergunta? Pergunte ao meu psicólogo. Ou às três leitoras que me constroem.

Os pensamentos de Vivianna não podem ser ditos. Passavam por nomes e nomes, coisas e coisas, e não-coisas também. E foi aí que ela parou, no meio da praça. Olhou em volta, encontrou um desses nomes, uma dessas coisas, a sair da padaria, logo ao lado do açougue atrás da Igreja. Era Lívia. Sem rodeios, foi até ela. Não era rápida, ao contrário, mas tinha certeza de seus passos e isso dispensava o Tempo. A Lívia - menina, moça, mulher - não tentou nem fugir. Era impossível, de qualquer jeito. E ali mesmo, na porta da padaria, Vivianna esticou um braço, firme, certo, frio, que atingiu sua vítima no peito. O buraco aberto ficou vazio - o sangue foi enxugado no vestido branco e o coração extraído jogado na lixeira mais próxima.

Com os olhos sondou a cidadezinha, à procura de mais alguém, mais alguém que precisasse ser assassinado. Não é que não tinha, disso não sei, mas decidiu que esse não era o momento e partiu. Foi em direção ao rio que passava atrás da prefeitura. Estava tudo silencioso como quando havia chegado. Se lhe advinho um pensamento, arrisco que deve ter perguntado a si mesma se esse era o silêncio normal, causado por sua presença, ou se estava ainda mais denso e perturbador. Deu de ombros e seguiu andando.

Geógrafos e hidrógrafos ou quem quer que tenha interesse e conhecimento na área que me perdoe, mas o rio era conhecido por uma névoa que sempre pairava sobre suas águas, em qualquer hora do dia e em qualquer dia. Essas águas, no entanto, não eram turvas e nem escuras de modo algum. Dava bem pra ver o fundo, tão limpas e cristalinas. Vivianna parou a uma das margens. Tirou uma faca do bolso, ou não se sabe de onde - o vestido não tinha bolsos -, e seguiu seu caminho, sentindo o corpo afundar lentamente. Seus pés perderem contato com o chão e ela nem tentou emergir. Deixou-se afogar, não sem antes cravar a faca no próprio peito, só para tingir as águas de vermelho.

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

ou... muito doido cara... sério... e foi mal pelo comentário vazio, mas...

muito bom

15 de outubro de 2007 às 17:56  
Anonymous Anônimo said...

Cara, vamos lá... Um comentário geral.

Leio... sempre, mesmo que tarde. Entendo? As vezes sim, as vezes não... na verdade, mesmo entendendo, sei que entendo apenas algo, e a maioria das coisas me escapam.

Uma coisa não muda. Os textos ficam bem escritos, e estremamente interessantes.

De todo jeito, quando agente pega arte de outros sem entender, agente geralmente interpreta apartir da própria subjetividade, o que distorce e deforma o sentido daquilo... não que perca o sentido, só muda o sentido. De toda forma, acho pouco interessante ficar arriscando palpites e interpretações que vão dizer muito mais do que penso eu, do que sobre o que o texto em si diz, e sobre o que penso do que o texto diz.

Não sei se fui confuso. Mas o que quero dizer. Aprecio bastante as coisas que você escreve, e seguirei lendo (como li desde que você me passou o link do seu blog, mesmo que com certo atrazo). Mas acho que vou me privar de comentá-los, pelo menos em regra. Acho que vou ficar prolixo repetindo que gosto do jeito que você escreve, isso não muda de texto pra texto...

E acho que só uma vez me senti a vontade pra comentar sobre o conteúdo de textos.

Então expresso aqui meus parabens gerais! E acho que para evitar comentários que não acrescentem, volto a comentar quando marte e júpiter se alinharem. Mas continuo lendo com assiduidade.

Abraços.

15 de outubro de 2007 às 18:51  
Blogger A Line said...

Eu sei que meu comentário será tosco, mas eu quando li me lembrei do clipe do Cradle of Filth, "From the cradle to enslave". Acho que é por causa do lance do rio e do coração tirado. Comentários idiotas a parte, você está cada vez melhor com as palavras! beijos

18 de outubro de 2007 às 13:52  

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