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sábado, outubro 20, 2007

Um amor e um ego (texto #16 c. 08)

- para Lorena Vianna e Isabela Possas


É noite. O vento me corta as faces, trazendo-me, em sussurros, as venturas de outras luas. Cruzo os braços bem junto ao peito, acuado pelas memórias que me gelam; vejo minha respiração em fumaça ao sair de meu corpo. De repente um mundo esfumaçado, vapores se dispersando...



Entro no receptivo restaurante, deixando o frio e o vento para atrás. Diante de mim, um salão iluminado, muitas mesas, muitas pessoas e um balcão a um canto. Tiro meu casaco e sigo em direção ao balcão, com seus únicos três bancos desocupados. Sento-me em um deles e peço rum. Puro, de caubói. Sem que pedisse mais nada, linda moça senta-se no banco ao lado, desfilando fartos seios sob mais farto decote em um vestido vermelho. Seu perfume, muito forte, me enoja. Percebo que olha para mim. Retribuo seus olhares; a malícia daqueles olhos negros me excita. A moça estica o braço e alcança meu copo. Toma um gole do meu rum, para em seguida lamber os beiços num gesto tão vulgar que me enoja. Tanto quanto seu perfume.

Seu nome é Cláudia. Diz ser cliente assídua do restaurante, e observa que nunca havia me visto por ali. Não, nunca tinha visitado o lugar; entrara para fugir do frio e tomar meu rum. Há métodos melhores de se combater o frio, ela diz; pergunta meu signo, minha idade, ocupação, gostos, desgostos e meu nome. Contento-me de saber que ela é Cláudia. Estudante, e só. Mais rum. Há um hotel logo ali na esquina, afirma a moça. Não é caro.

O quarto é pequeno; uma cama, um criado mudo, um armário e uma janela. Cláudia me toma de assalto. Só vejo seus lábios, avidos, sua língua vulgar me tocando a pele; sinto seus seios me pressionando contra a parede; cola a cintura na minha e me faz refém. Ali, na parede. Como se fosse um boneco, me joga na cama. Vem logo em seguida. Continuo a seguir o movimento de seus lábios; sua língua, não mais vulgar, me percorre o pescoço, e vai descendo; seu perfume não mais me enoja. Fica de joelhos, meu corpo entre suas pernas. Me lança um olhar que para muitos seria baixo, sujo; ali, para mim, parece-me natural. Quase santo de tão natural. Só não é natural permanecermos daquele jeito, vestidos - o que, de fato, não dura muito.


A noite segue, e o frio não dá trégua. O vento, ainda sussurrando, me traz um nome: Sara.


Sara estudou comigo durante o primeiro grau. Cabelos lisos, escuros e curtos; olhos de fundo de céu. Eis que a encontro no teatro. Crescida, ganha corpo; os olhos ficam-lhe mais fundos. E não tenho medo de ser indiscreto. Olho mesmo. Poucas palavras, a maior parte delas sem graça, um sorriso, um número de telefone: ligo no dia seguinte, digo. Na verdade, ligo dois dias depois, para deixá-la ansiosa. Conversa curta, uma piada sem graça, risada do outro lado da linha, um cinema. Para o fim de semana seguinte.

Sara é realmente bonita. Me aparece num vestido branco, que marca bem os belos contornos de seu corpo. Seu sorriso iluminado me cativa. Cinema, sorvete, mais sorrisos. Promessa de telefonema; ligo na mesma noite - elogiar sua beleza, falar do filme, chamá-la para sair. No dia seguinte. Uso meu melhor perfume, vou buscá-la em casa, levo-a a um bom restaurante. Pergunto se quer subir para o meu apartamento, não é longe dali, tomar um vinho. Não, não pode, já está tarde. Deixo-a na porta de casa; um beijo, de despedida, mas só um beijo. Passo a noite ao lado do telefone. Tenho sono no dia seguinte, vou pro serviço, não faço nada direito. Meu mundo tem agora outro nome. Chego em casa, passo outra noite ao lado do telefone - que não toca. Tenho sono, a semana inteira, vou trabalhar; na sexta feira o telefone toca: é Sara. Me pergunta se não quero ir para sua casa tomar um vinho. Claro que sim. Sábado, às oito, então.

Levo flores; lembro-me de que Sara gosta de lírios. Então são lírios. Logo ficamos embriagados. Ela se senta no meu colo. Me beija. Beijo tímido, lábios praticamente cerrados. Eu engulo ela; mas tenho medo de ser violento, me controlo. Tira minha camisa. Começa a mordiscar meu corpo. Depois eu o dela. Finalmente a vitória. E nunca mais a vejo.


O vento pára. A névoa que envolve o mundo assume um tom de vermelho, depois fica branca. Não tenho mais frio; volto para casa, precisando de um espelho: não sou o mesmo das minhas lembranças, mas as mesmas lembranças ainda são grande parte de mim.

-AB03//10-11/11/06

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Nenhum L. Eu acabo pegando a lógica =].

20 de outubro de 2007 às 15:55  
Blogger Mandix said...

Bonitinho. Esse texto é bastante agradável de ler, sabe. O "eu-lírico e suas duas mulheres".

23 de outubro de 2007 às 14:45  
Blogger D. D. said...

uau.

\o/

24 de outubro de 2007 às 21:03  
Blogger Gustavo Bicalho said...

"sento-me em um deles e peço rum. Puro, de caubói. Sem que pedisse mais nada, linda moça senta-se no banco ao lado, desfilando fartos seios sob mais farto decote em um vestido vermelho."
ah, o velho e bom "narrador canastrão" hahahaha
divertidíssimo

25 de outubro de 2007 às 17:35  
Blogger A Line said...

Imagino o André menos branquelo (rss), de bigode, jaqueta e chapéu de couro e uma cara de puto.

25 de outubro de 2007 às 22:52  
Anonymous Anônimo said...

Legal demaaais seu blog...
;)

24 de dezembro de 2007 às 11:00  

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