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domingo, novembro 04, 2007

Ás de Espadas

Ao sacar aquela carta, Carlos hesitou por um momento. Não chegou a estremecer - "se for assim, que seja". Como tirava outro ás em seguida, apostou todas as suas fichas logo no primeiro flop. Todos na mesa, havendo notado aquela breve hesitação no início da partida, continuaram firmes as apostas. O jogo terminou numa trinca mas, como havia apostado todas as fichas, Carlos só pôde ficar com o side-pot. Não importava.

Juntou o dinheiro que acabara de ganhar, foi pra casa. Não parou um segundo - "ela já vem me buscar". Tentou libertar seus pensamentos. Música alta, pé na estrada: uma puta, uma bebedeira, Carlos tinha o mundo. Não que ainda importasse tanto assim - pensamento afastado. Fez de tudo, só não matou. Olhou para o céu, bebeu da chuva, correu pelado de madrugada, o que desse vontade. Mas, apesar de sempre evitar o pensamento, não ficou um dia sequer sem se lembrar da morte que se anunciara. Sentiu-se em uma corrida, contra si, contra o tempo e, principalmente, contra o mundo. Via que - como não vira antes? - impunha seu ritmo, admitia sua vida com seu fim. Descobriu o por quê de dizerem que a maior das desgraças da caixa de Pandora é a esperança. Mais muitas bebedeiras, muitas putas, algumas ex-namoradas e colegas de faculdade. Até mesmo um vizinho mais afeminado. Não tocou em livros; montanhas, cachoeiras, mar, sol e até um pouco de gelo. O dinheiro ia acabando, jogava mais. Vendeu o carro.

Três dias a pé, descobriu uma cidadezinha entre as montanhas de não-se-sabe-onde. Construções de madeira, velhos sentados em suas cadeiras diante de suas casas. Perguntou por um hotel; indicaram-lhe um hoteleco. Decidiu permanecer por um tempo, tão intrigado ficara de não ter visto igreja na cidade. Foi ao balconista: "A igreja fica fora, só vai quem quer."

Vendo que o caminho era curto, dadas as diminutas proporções do lugar, pôs-se para lá. No meio do caminho, um raio caiu-lhe na cabeça e ele morreu.

A Morte perdera a paciência. Sentia-se estúpida, vítima de seu próprio orgulho. Como poderia ter matado alguém que a esperava? E assim acabou se atrasando. Não que fizesse tanta diferença, ninguém saberia daquilo, de sua fraqueza. Continuariam todos, todos, alienados de sua única certeza, e o serviço monótono - há muito que Ela não é mais a Morte que mata, mas a Morte que morre.

3 Comments:

Blogger Buenossauro said...

como não combinaria tanto com a postagem original, vai nos comentários:
"If you like to gamble, I tell you I'm your man,
You win some, lose some, all the same to me,
The pleasure is to play, makes no difference what you say,
I don't share your greed, the only card I need is
The Ace Of Spades"
(Motorhead, Ace of Spades)

\m/(ò_ó)\m/

4 de novembro de 2007 às 20:01  
Blogger Laryssa Mariano said...

Essa da esperança ser o maior dosmales da caixa de Pandora, você tirou e onde?

11 de dezembro de 2007 às 18:47  
Blogger Laryssa Mariano said...

Lindo esse. Bom ritmo.

11 de dezembro de 2007 às 18:50  

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