A toca do Buenossauro

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Local: Belo Horizonte, MG, Brazil

domingo, maio 25, 2008

A terceira vez

-para o meu amor

Os pais de Pedro botaram-no no judô. Faz bem pros ossos, pros músculos, pra cabeça. Toda segunda e quarta, às quatro, e quem levava era a empregada. O tatame não ficava longe de casa, coisa de dois quarteirões, só um pouquinho pra trás da rua de trás: e era freqüentado, àquele horário, basicamente por meninos da idade de Pedro (quanto tinha? Uns nove?). O nosso herói-mirim, no entanto, não tinha lá feito muitos amigos. Aliás, não sejamos injustos: não faz nem bem um mês que o nosso garoto começou a praticar; mas enquanto todos os outros meninos brincavam juntos durante os intervalos ou faziam troça, uns com os outros, dos alongamentos e exercícios mais estranhos, Pedro era aquele no fundo do tatame, quieto. Pelo menos não mexiam com ele. O treino acabava às cinco e as mães e pais buscavam seus jovens lutadores, mas o nosso, sem amigos e distante dos outros, era trazido de volta também pela empregada. Era coisa pouca, afinal, não mais do que dois quarteirões.

E o nosso Pedro treinava, era até esforçado, dentro dos limites que vemos nas crianças que, naquela idade, têm muita energia para gastar e pouca paciência para se concentrar. Depois de seis meses e muito suor, chegou o dia do exame de faixa. Agora estava ficando sério: da branca para a cinza, quase preta. Para não se atrasar, nosso campeão saiu do banho às três; vestiu seu judogui com tanto esmero que ficou lindo de ver - um guerreiro mirim pronto para as glórias da guerra. Às quinze para as quatro (sim, gasta-se mais de quarenta minutos com calça, camisão, faixa e chinelos, que o digam os artistas marciais que há milênios sem conta encaram seus exames de faixa) quase morreu de ansiedade, a empregada ainda demorava-se para sair. Saíram, enfim: e não vale a pena narrar aqui estes não mais do que dois quarterões, mesmo sendo dia de exame de faixa. Agora nos importa que ele chegou.

Candidatos no exame eram poucos, mas o lugar estava cheio, pais, mães, primos, fotografias e até um cachorro. Coração de herói, que sempre bate mais forte, estava de não se agüentar, as pernas tremendo, o nó na garganta, que sempre vem nas piores horas, os movimentos aparentemente frouxos. Já dizia o sábio, o pior silêncio é aquele que precede as grandes batalhas. Ainda muito novo para ser sábio, nosso Pedro só fazia se assustar com aquele silêncio todo, quebrado somente pelas batidas do seu coração - cabe aqui dizer, até, que não só mais forte bate o coração deste nosso herói, mas muito mais alto, também. E ele caminhava à sua glória ou sua derrota, não se sabe ainda; se se soubesse, inclusive, vale lembrar que o nosso coração não estaria assim palpitante; bateria só pra cumprir tabela, por assim dizer.

Um momento em branco, de apreensão, de suor frio.

Mas que golpes! Que postura! Que execuções! E que linda esta nova faixa colorida (pois cinza, mesmo que meio morta, é uma cor) que cingia-lhe a cintura! A empregada, desculpe-me não me recordar do nome dela, adorou. E voltaram para casa.

Na semana seguinte seria seu primeiro treino de graduado. Mais responsabilidade, mais força, mais macheza. E acabou sendo, mesmo, há menos surpresas do que pensamos na vida dos grandes guerreiros.

A única surpresa, e das grandes, é esta: acabado o treino, passaram por ali os pais de Pedro e o levaram a uma pizzaria pra comemorar a conquista do filho. E a partir de então eles tornaram e tornaram a buscá-lo depois das aulas, exceto em alguns poucos dias de reunião no trabalho, mas isso, filhos que também somos, compreendemos e perdoamos.

Uma péssima maneira de terminar uma história, eu sei, mas o leitor também não deve esperar mais. Afinal, rápidas como este fim que não é fim, há muitas coisas na vida que simplesmente acontecem, e para melhor.