Deltaker*
Imagine você, que ainda hoje me perguntou, menti: sim, me ative ao raso, uma piada aqui, desconversa. Loucura inevitável, venho imaginando agora não ter mais saída. E não é que (ainda há pouco descobri) têm asas os pesadelos, que vivem por si próprios, mas só te encontram porque você os procura (injustiça dizer pesadelo: são sonhos rotos, mortos, que fogem ao seu controle e você descobre terem vida própria)?
Encontraram-se tão por acaso, como naqueles episódios de colisão e queda de livros. Quem sorriu primeiro? Ambos. Logo imaginaram ver todos os sinais de uma eternidade. E sem dúvida viveram tal eternidade! Mas será que tempo tão eterno deve ser vivido? Pois foi vida o que se colocou diante do tempo, que soprou-lhes nas velas o vento para o além. Acidente de carro, envenenamento, facada nas costas? Não foi morte, o que tiveram, foi pior. Tentaram viver uma eternidade daquelas que é pra ser morrida. Vivem mortos agora, apodrecendo com o pensamento do que não foi. Soltos, por aí, a imaginar o que não é, tão loucos por poder só especular - não mais possuem um a carne do outro, o outro a alma do um. Ou nada. Agora um deles depara-se com um rosto - isolado, frio, mas sorrindo. E descobre que o castigo continua.
Livro-me, inábil, versando imagens ainda tão frescas, da minha grande omissão e minha grande mentira. Imagine que menti! Meu reino pela falsidade pura! Eu, no entanto, digo que a Dinamarca fede mais do que parece.
*deltaker: palavra do norueguês, quer dizer (meio que forçando a barra) interlocutor. Escolhi logo o norueguês pra ter uma maior neutralidade quanto ao gênero da palavra.
Encontraram-se tão por acaso, como naqueles episódios de colisão e queda de livros. Quem sorriu primeiro? Ambos. Logo imaginaram ver todos os sinais de uma eternidade. E sem dúvida viveram tal eternidade! Mas será que tempo tão eterno deve ser vivido? Pois foi vida o que se colocou diante do tempo, que soprou-lhes nas velas o vento para o além. Acidente de carro, envenenamento, facada nas costas? Não foi morte, o que tiveram, foi pior. Tentaram viver uma eternidade daquelas que é pra ser morrida. Vivem mortos agora, apodrecendo com o pensamento do que não foi. Soltos, por aí, a imaginar o que não é, tão loucos por poder só especular - não mais possuem um a carne do outro, o outro a alma do um. Ou nada. Agora um deles depara-se com um rosto - isolado, frio, mas sorrindo. E descobre que o castigo continua.
Livro-me, inábil, versando imagens ainda tão frescas, da minha grande omissão e minha grande mentira. Imagine que menti! Meu reino pela falsidade pura! Eu, no entanto, digo que a Dinamarca fede mais do que parece.
*deltaker: palavra do norueguês, quer dizer (meio que forçando a barra) interlocutor. Escolhi logo o norueguês pra ter uma maior neutralidade quanto ao gênero da palavra.