A toca do Buenossauro

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terça-feira, dezembro 18, 2007

De quando eu quis ser caubói

para André Madsen

Rabiscava um rascunho: era um caubói. Era eu? Podia. O que me fez lembrar de um tempo em que eu podia. Era qualquer coisa que quisesse - e acho até que não cheguei a ser caubói, mas só porque não queria.

Sentávamos, de frente um pro outro, mas não nos mirávamos. Nos libertávamos em direção a algo além, acima de nossas cabeças, ou dentro delas; sem limites, sem isso de real que hoje tanto nos incomoda. Os tempos eram outros, e podiam ser todos, numa trinca que dispensava maiores reflexões: passado, presente, futuro. E só.

Era geralmente passado. E no passado criamos nossos valores, tornamo-nos - junto a outros - quase irmãos. Era tudo de nosso domínio, nunca lançamos um pé que fosse ao desconhecido. Estaríamos procurando, então, glórias de cavalaria, histórias dos dragões que só o tempo da não-memória nos dá? Ou seria somente um presságio - um meu pressário, mau - de que poderíamos adiantar, assim, uma busca que tornar-se-ia presente, constante, obsessiva? - uma realidade de muitas faces que não mais se encontram ou, quando o fazem, é sempre de tal maneira fugaz que não lembram, nem um mínimo, as eternidades que vivíamos.

Talvez por isso, por sempre nos prendermos a essas memórias, tão inventadas e tão longínquas, esquecemos de puxar um pouco mais desse fio para amarrar um pouco de futuro em sua ponta. Para nos vermos como os homens que somos. Tão distantes e tão iguais.

Hoje eu quis ser caubói. Voltar aos tempos dos caubóis e, principalmente, ao tempo em que eu podia ser um. E tudo o que quisesse. Olhei em torno: nada, ninguém. Uma frieza que me lembrava de uma bifurcação. Um passo em falso, um caminho perdido. Poderia tentar voltar, traçar novamente memórias rumo a um futuro tão fora dos nossos domíninios? Pois, se tiramos um mínimo daquilo tudo, sabemos muito bem que o tarde não existe.

Nota: o desenho foi feito por mim, um rabisco com uma caneta Bic em uma aula de análise do discurso, em trinta de outubro deste ano.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Asas

Quando estou deitado na rede, num embalo bem leve e tranqüilo, parece que vôo. Aí fecho os olhos e sou só eu e o mundo.

Ao olhar para o céu, seja dia chuvoso ou dia limpo, procuro ir mais e mais longe - furar o firmamento com os olhos, até não consegir mais. Aí vejo que não preciso dos olhos fechados para voar.

Se um dia me perco nas minhas aflições, me acalma uma boa música. De qualquer tipo. Há aquelas que me fazem agressivo, me fazem inflamar: não é ruim, mas também não é o tema deste texto. Aqui, para todos os efeitos, gosto daquelas que me fazem voar, inclusive as dos pássaros.

Um dia eu olhei pro céu, deitei na rede, fechei os olhos e fiquei escutando os passarinhos. Quanto se passou? Não sei, mas o sol se pôs. Num pôr-do-sol tão bonito que me fez chorar, tanto que perdi todo o meu peso. E voei.

Outro, também, não precisei. Um só quadro me fez o favor. Um pintor francês, que também tirou o meu peso. De olhos abertos, pés no chão e em silêncio.

Mais outro, ainda: pensei em poesia. Silêncio, todos os olhos abertos, todo o peso do mundo. E mesmo assim voei muito alto.

Talvez Deus seja injusto por não ter dado asas a cobras, já que nos deu tantas a nós. Nascemos para voar, só falta nos descobrirmos voadores.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Maigo

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Mario Quintana



Sentado aqui, em meu trono, observo os passantes. Passantes. Passam com suas dores e choros e preocupações. Muitas vezes com sorrisos, exclamações de alegria - não raramente vertem lágrimas com suas felicidades. Vejo, no entanto, que por maior que sejam as alegrias, uma hora - ou nem hora: minuto, talvez - seus sorrisos se fecham e as dores voltam. As preocupações vêm em seguida para incrementar todas as dores e, finalmente, passam. Em lágrimas de tristeza.

Aqui, do meu trono, observo-os todos. Não me parece possível que se terminem tão efêmeros depois de experimentos tão fortes, tão intensos. Alimento para tanto é somente a crença no eterno. A crença no não-amanhã, no hoje que não termina, no sol que não se põe - ou no dia que não nasce. Traumas? Que seja. Passam. Talvez não os traumas, mas os passantes passam.

Passam porque procuram possuir algo que não possuem. É o caso do latifundiário que se pensa dono da terra, quando é o contrário. A terra nos tem a todos. Nos tem e nos possui. Mas esse fogo que os consome (eles, os passantes), esse fogo turva-lhes a visão. Quando o calor é muito as formas bruxuleiam. O fogo consome até que não sobre mais nada de nada nem de ninguém. Seja do passante ou do passado. Só eu, o Maigo, fico. Intocável, onipresente, onisciente em minha perfeição. Sempre mereço meu título. Maigo.