A toca do Buenossauro

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sexta-feira, outubro 26, 2007

Manifesto da Terceira Esquerda

Porque a primeira pelegou e a segunda é burra. Não que alguém seja realmente inteligente mas, só de querer ver, o cego tem quase um olho. Pela reflexão sobre nós mesmos enquanto, em primeiro, nós, e então nós enquanto parte do mundo. Dessa forma, pelo pensamento crítico e conclusões próprias. Pela leitura. Pela leitura de atas, estatutos, projetos - pela observação e ponderação. Pela leitura, sobretudo, de literatura e poesia, que nos fazem pensar pra dentro. Política como complemento, já que seus textos já vêm prontos.

Contra a transformação da convicção em crença cega. Contra ícones que, antes transformados em ícones por suas idéias, agora são ícones porque são ícones. Contra o orgulho dos posicionamentos herméticos que transformam política em religião.

Pelo exercício efetivo da democracia e contra os rótulos demagógicos. Contra as barreiras criadas da esquerda para a esquerda, por uma nova ordem em que as idéias surjam antes de seus nomes. Para que as boas idéias sejam válidas de onde quer que venham. Pela participação de todos, e a qualquer momento: contra o salto alto das putas velhas do movimento. Pela livre discussão, sem preconceitos. Pelo real interesse em ouvir os muitos lados e pensar. Contra a existência de sempre só dois lados.

A Terceira Esquerda não se propõe a ficar entre os revolucionários e os pelegos sendo, assim, uma "esquerda moderada". Está simplesmente fora disso. Se desenhássemos um diagrama oval representando as tensões políticas em voga, bem como suas intersecções (ou não), a Terceira Esquerda estaria fora da folha de papel. Estaria no próprio leitor do gráfico. Então chamar de "esquerda" já é um erro, pois se há esquerda, há que ser à esquerda de alguma coisa. Esse alguma coisa não existe mais, Stalin matou, com ajuda do Imperialismo. São colegas, precisam um do outro para terem razão de existir. O povo é o que se fode. E só.

Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico. Pelo pensamento crítico.

Isso inclui autocrítica.

Contra mim, ainda não refleti o suficiente. Mas a proposta fica, para ser discutida e amadurecida.

Pela leitura e reflexão. Pelo interesse em ouvir os dois lados e pensar. Pensar. Pensar.

sábado, outubro 20, 2007

Um amor e um ego (texto #16 c. 08)

- para Lorena Vianna e Isabela Possas


É noite. O vento me corta as faces, trazendo-me, em sussurros, as venturas de outras luas. Cruzo os braços bem junto ao peito, acuado pelas memórias que me gelam; vejo minha respiração em fumaça ao sair de meu corpo. De repente um mundo esfumaçado, vapores se dispersando...



Entro no receptivo restaurante, deixando o frio e o vento para atrás. Diante de mim, um salão iluminado, muitas mesas, muitas pessoas e um balcão a um canto. Tiro meu casaco e sigo em direção ao balcão, com seus únicos três bancos desocupados. Sento-me em um deles e peço rum. Puro, de caubói. Sem que pedisse mais nada, linda moça senta-se no banco ao lado, desfilando fartos seios sob mais farto decote em um vestido vermelho. Seu perfume, muito forte, me enoja. Percebo que olha para mim. Retribuo seus olhares; a malícia daqueles olhos negros me excita. A moça estica o braço e alcança meu copo. Toma um gole do meu rum, para em seguida lamber os beiços num gesto tão vulgar que me enoja. Tanto quanto seu perfume.

Seu nome é Cláudia. Diz ser cliente assídua do restaurante, e observa que nunca havia me visto por ali. Não, nunca tinha visitado o lugar; entrara para fugir do frio e tomar meu rum. Há métodos melhores de se combater o frio, ela diz; pergunta meu signo, minha idade, ocupação, gostos, desgostos e meu nome. Contento-me de saber que ela é Cláudia. Estudante, e só. Mais rum. Há um hotel logo ali na esquina, afirma a moça. Não é caro.

O quarto é pequeno; uma cama, um criado mudo, um armário e uma janela. Cláudia me toma de assalto. Só vejo seus lábios, avidos, sua língua vulgar me tocando a pele; sinto seus seios me pressionando contra a parede; cola a cintura na minha e me faz refém. Ali, na parede. Como se fosse um boneco, me joga na cama. Vem logo em seguida. Continuo a seguir o movimento de seus lábios; sua língua, não mais vulgar, me percorre o pescoço, e vai descendo; seu perfume não mais me enoja. Fica de joelhos, meu corpo entre suas pernas. Me lança um olhar que para muitos seria baixo, sujo; ali, para mim, parece-me natural. Quase santo de tão natural. Só não é natural permanecermos daquele jeito, vestidos - o que, de fato, não dura muito.


A noite segue, e o frio não dá trégua. O vento, ainda sussurrando, me traz um nome: Sara.


Sara estudou comigo durante o primeiro grau. Cabelos lisos, escuros e curtos; olhos de fundo de céu. Eis que a encontro no teatro. Crescida, ganha corpo; os olhos ficam-lhe mais fundos. E não tenho medo de ser indiscreto. Olho mesmo. Poucas palavras, a maior parte delas sem graça, um sorriso, um número de telefone: ligo no dia seguinte, digo. Na verdade, ligo dois dias depois, para deixá-la ansiosa. Conversa curta, uma piada sem graça, risada do outro lado da linha, um cinema. Para o fim de semana seguinte.

Sara é realmente bonita. Me aparece num vestido branco, que marca bem os belos contornos de seu corpo. Seu sorriso iluminado me cativa. Cinema, sorvete, mais sorrisos. Promessa de telefonema; ligo na mesma noite - elogiar sua beleza, falar do filme, chamá-la para sair. No dia seguinte. Uso meu melhor perfume, vou buscá-la em casa, levo-a a um bom restaurante. Pergunto se quer subir para o meu apartamento, não é longe dali, tomar um vinho. Não, não pode, já está tarde. Deixo-a na porta de casa; um beijo, de despedida, mas só um beijo. Passo a noite ao lado do telefone. Tenho sono no dia seguinte, vou pro serviço, não faço nada direito. Meu mundo tem agora outro nome. Chego em casa, passo outra noite ao lado do telefone - que não toca. Tenho sono, a semana inteira, vou trabalhar; na sexta feira o telefone toca: é Sara. Me pergunta se não quero ir para sua casa tomar um vinho. Claro que sim. Sábado, às oito, então.

Levo flores; lembro-me de que Sara gosta de lírios. Então são lírios. Logo ficamos embriagados. Ela se senta no meu colo. Me beija. Beijo tímido, lábios praticamente cerrados. Eu engulo ela; mas tenho medo de ser violento, me controlo. Tira minha camisa. Começa a mordiscar meu corpo. Depois eu o dela. Finalmente a vitória. E nunca mais a vejo.


O vento pára. A névoa que envolve o mundo assume um tom de vermelho, depois fica branca. Não tenho mais frio; volto para casa, precisando de um espelho: não sou o mesmo das minhas lembranças, mas as mesmas lembranças ainda são grande parte de mim.

-AB03//10-11/11/06

segunda-feira, outubro 15, 2007

Nota ao texto "Ela"

Não gosto muito de 'esclarecer' meus textos, mas dessa vez acho que vale a pena, inclusive porque me posiciono quanto a essa coisa de livre interpretação. É uma resposta ao comentário que o André fez sobre o texto abaixo.
Segue o comentário:

"Cara, vamos lá... Um comentário geral.

Leio... sempre, mesmo que tarde. Entendo? As vezes sim, as vezes não... na verdade, mesmo entendendo, sei que entendo apenas algo, e a maioria das coisas me escapam.

Uma coisa não muda. Os textos ficam bem escritos, e estremamente interessantes.

De todo jeito, quando agente pega arte de outros sem entender, agente geralmente interpreta apartir da própria subjetividade, o que distorce e deforma o sentido daquilo... não que perca o sentido, só muda o sentido. De toda forma, acho pouco interessante ficar arriscando palpites e interpretações que vão dizer muito mais do que penso eu, do que sobre o que o texto em si diz, e sobre o que penso do que o texto diz.

Não sei se fui confuso. Mas o que quero dizer. Aprecio bastante as coisas que você escreve, e seguirei lendo (como li desde que você me passou o link do seu blog, mesmo que com certo atrazo). Mas acho que vou me privar de comentá-los, pelo menos em regra. Acho que vou ficar prolixo repetindo que gosto do jeito que você escreve, isso não muda de texto pra texto...

E acho que só uma vez me senti a vontade pra comentar sobre o conteúdo de textos.

Então expresso aqui meus parabens gerais! E acho que para evitar comentários que não acrescentem, volto a comentar quando marte e júpiter se alinharem. Mas continuo lendo com assiduidade.

Abraços."




e agora a minha resposta:
"bom, obrigado pelos comentários positivos!
André, quanto a interpretar o texto a partir da própria subjetividade... bom, faz parte. É a função do leitor. Nenhum texto é fechado, o leitor é sempre um co-escritor. É difícil escrever um texto pensando em um sentido fixo pra ele - afinal de contas, nem nós mesmos temos nosso sentido fixo. E, também, como "somos os outros", ou seja, frutos das nossas diferentes convivências, experiências e etc, é aí que o texto se abre mais ainda.

A única pista mesmo que eu joguei no texto quanto ao sentido e tudo o mais é o nome das personagens - tirando Vivianna, que apareceu agora, mas também não sem sentido. Todos esses nomes - a maioria começa com "L" - figuram nos meus textos, em muitos deles. Quem acompanha o Blog deve ter pelo menos entrado em contato com a Laura, por exemplo. Talvez até uma Júlia. Padre Lino, Titico e Titica, Lívia e alguns outros ainda estão nos cadernos. Estou pensando em trazê-los pra cá.

E então é isso - esses nomes são de personagens minhas, são nomes meus, que eu assumo e desassumo o tempo todo. Aí dá pra imaginar algo sobre a cidadezinha."

p.s.: claro que a cidadezinha é povoada por muito mais gente. Tava passando o olho pelo blog e já vi que esqueci de mencionar Pedro, Paulo e até mesmo o Subaco. Não que fizesse tanta diferença. Mas agora também me veio um pensamento novo - talvez tenha sido... bom, equivocado, mesmo, colocar nomes principalmente de personagens que não figuram aqui na Toca. Quem nunca pegou meus cadernos ou meus rascunhos ficaria perdido mesmo. Mas também digamos que é uma cidadezinha normal e que esses nomes não são de personagens meus. Vale do mesmo jeito.

domingo, outubro 14, 2007

Ela

-para Lorena Vianna

Vestido branco, simples, liso, cru, ela estava linda naquela noite. Estava como quem caminha entre nós com o único objetivo de nos plantar um pouco de otimismo no coração. Um mais inocente a chamaria anjo; outro mais temeroso, demônio; e aquele cético, vadia. Aqui eu a chamo Vivianna, que se parece mais com um nome.

A cidade era pacata. Lar para o Padre Lino, Laura, Lúcia, Luiza, Lívia, Paula, Júlia, Matheus e todos os outros, inclusive os tão-bonitinhos Titico e Titica. E veio Vivianna. Quando pôs os pés na praça da Igreja, em torno da qual a cidade fora construída, silêncio - e mesmo o silêncio foi transformado em verso. Certo que se tinha, por ali, o hábito de pôr tudo em verso, tudo. Mas silêncio, não. Este era deixado para o verso em branco que separa uma estrofe da outra. E só. Vivianna também era branca. Seu vestido era branco, pelo menos. Não se tirava nada das outras feições: pele, olhos (nem mesmo os olhos!), rosto, lábios, nada. E então imaginaram-na como suspiro entrestrofes. O não-corpo tomava seus contornos e invadia aquele lugar, tão sólido, tão eterno - e tão frágil.

Matheus foi o primeiro a se aproximar. Antes que pudesse dizer alguma coisa, "Estou só de passagem", suspirou a moça com ar de enfado. Mas ele sabia que não. Vivianna - sim, era esse o nome, por mais que gago - tinha uma aura que a acusava, que afastava as pessoas e fazia as árvores se contorcerem. Vivianna era um objetivo. Qual, você me pergunta? Pergunte ao meu psicólogo. Ou às três leitoras que me constroem.

Os pensamentos de Vivianna não podem ser ditos. Passavam por nomes e nomes, coisas e coisas, e não-coisas também. E foi aí que ela parou, no meio da praça. Olhou em volta, encontrou um desses nomes, uma dessas coisas, a sair da padaria, logo ao lado do açougue atrás da Igreja. Era Lívia. Sem rodeios, foi até ela. Não era rápida, ao contrário, mas tinha certeza de seus passos e isso dispensava o Tempo. A Lívia - menina, moça, mulher - não tentou nem fugir. Era impossível, de qualquer jeito. E ali mesmo, na porta da padaria, Vivianna esticou um braço, firme, certo, frio, que atingiu sua vítima no peito. O buraco aberto ficou vazio - o sangue foi enxugado no vestido branco e o coração extraído jogado na lixeira mais próxima.

Com os olhos sondou a cidadezinha, à procura de mais alguém, mais alguém que precisasse ser assassinado. Não é que não tinha, disso não sei, mas decidiu que esse não era o momento e partiu. Foi em direção ao rio que passava atrás da prefeitura. Estava tudo silencioso como quando havia chegado. Se lhe advinho um pensamento, arrisco que deve ter perguntado a si mesma se esse era o silêncio normal, causado por sua presença, ou se estava ainda mais denso e perturbador. Deu de ombros e seguiu andando.

Geógrafos e hidrógrafos ou quem quer que tenha interesse e conhecimento na área que me perdoe, mas o rio era conhecido por uma névoa que sempre pairava sobre suas águas, em qualquer hora do dia e em qualquer dia. Essas águas, no entanto, não eram turvas e nem escuras de modo algum. Dava bem pra ver o fundo, tão limpas e cristalinas. Vivianna parou a uma das margens. Tirou uma faca do bolso, ou não se sabe de onde - o vestido não tinha bolsos -, e seguiu seu caminho, sentindo o corpo afundar lentamente. Seus pés perderem contato com o chão e ela nem tentou emergir. Deixou-se afogar, não sem antes cravar a faca no próprio peito, só para tingir as águas de vermelho.

domingo, outubro 07, 2007

Lágrima que choro

- para Lena Holmen

Nunca tive medo do mar. Em terra firme, passava horas e horas olhando, admirado, as águas contra as rochas - contra os dois braços de ilha que se estendiam diante de mim. Belo? Sim, muito, mesmo que muitas vezes a névoa era tão espessa que eu não era capaz de ver o pedaço de continente do outro lado daquelas águas, então cinzentas. Mas isso também era belo.

Era cego, me forçava a tal; ouvia melhor, cheirava o sal, cheirava o céu. Por onde andavam meus pensamentos? Aqui e lá, e sempre dentro de mim. Sempre. De onde aqueles olhos cinzazuis, quase brancos, vinham e vinham para me salvar. Não me admira que nunca tive medo do mar.

Chegou o momento em que meus sonhos me traíram. Tarde, mas chegou - uma música, uma pintura e um livro, inacabados, incompreendidos, silenciados: me trouxeram aqui, nó na garganta, o coração na ponta dos dedos... não; este agora me falta, bem como me faltam as palavras para descrever o vazio que sinto.

O que me restava de mim acabou de partir com essa lágrima quente que ainda sinto rolar pelo meu rosto. E agora eu entendo por quê os homens têm medo do mar.