De quando eu quis ser caubói

Rabiscava um rascunho: era um caubói. Era eu? Podia. O que me fez lembrar de um tempo em que eu podia. Era qualquer coisa que quisesse - e acho até que não cheguei a ser caubói, mas só porque não queria.
Sentávamos, de frente um pro outro, mas não nos mirávamos. Nos libertávamos em direção a algo além, acima de nossas cabeças, ou dentro delas; sem limites, sem isso de real que hoje tanto nos incomoda. Os tempos eram outros, e podiam ser todos, numa trinca que dispensava maiores reflexões: passado, presente, futuro. E só.
Era geralmente passado. E no passado criamos nossos valores, tornamo-nos - junto a outros - quase irmãos. Era tudo de nosso domínio, nunca lançamos um pé que fosse ao desconhecido. Estaríamos procurando, então, glórias de cavalaria, histórias dos dragões que só o tempo da não-memória nos dá? Ou seria somente um presságio - um meu pressário, mau - de que poderíamos adiantar, assim, uma busca que tornar-se-ia presente, constante, obsessiva? - uma realidade de muitas faces que não mais se encontram ou, quando o fazem, é sempre de tal maneira fugaz que não lembram, nem um mínimo, as eternidades que vivíamos.
Talvez por isso, por sempre nos prendermos a essas memórias, tão inventadas e tão longínquas, esquecemos de puxar um pouco mais desse fio para amarrar um pouco de futuro em sua ponta. Para nos vermos como os homens que somos. Tão distantes e tão iguais.
Hoje eu quis ser caubói. Voltar aos tempos dos caubóis e, principalmente, ao tempo em que eu podia ser um. E tudo o que quisesse. Olhei em torno: nada, ninguém. Uma frieza que me lembrava de uma bifurcação. Um passo em falso, um caminho perdido. Poderia tentar voltar, traçar novamente memórias rumo a um futuro tão fora dos nossos domíninios? Pois, se tiramos um mínimo daquilo tudo, sabemos muito bem que o tarde não existe.
Nota: o desenho foi feito por mim, um rabisco com uma caneta Bic em uma aula de análise do discurso, em trinta de outubro deste ano.